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Imagem ©Tiago Baccarin / Estúdio Garagem / Fundação Bienal de São Paulo

Preenchendo vazios: a prática artística de Maria Thereza Alves e sua colaboração com comunidades indígenas brasileiras
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Texto de Taís Cardoso, Doutoranda e Mestra 
em História, Teoria e Crítica, pelo PPGAV-UFRGS


Resumo: No presente ensaio, a autora analisa três trabalhos da artista brasileira Maria Thereza Alves (1961–) desenvolvidos no Brasil, na intenção de pensar aspectos da sua prática que partem da organização e colaboração com comunidades indígenas brasileiras, ao buscar trazer visibilidade às culturas e saberes desses povos, bem como enaltecer o seu direito a terra.

Notas:

 

[1] Ver: http://www.mariatherezaalves.org

[2] Depoimento disponível em inglês, traduzido por mim, no site da artista onde ela apresenta cada um dos seus trabalhos, explicando por quais motivos foram pensados, como foram desenvolvidos e quem são as pessoas envolvidas.

[3] Em dezembro de 2021, como parte da programação paralela da 19ª Festa Literária de Parati, Maria Thereza Alves participou de uma mesa online junto a quilombola e pesquisadora de plantas medicinais, residente em Ubatuba (SP), Neide Antunes de Sá. A conversa foi mediada pela crítica de arte e curadora Daniela Labra. Na mesa intitulada Seeds of Change/Sementes da Mudança, Maria Thereza descreve dois dos trabalhos aqui analisados e suas colocações são utilizadas para a minha argumentação. Além disso, vale observar como Neide foi uma convidada de Maria Thereza para compor a mesa e a artista abre sua fala com uma imagem da casa de Neide que correu o risco de ser expropriada e graças a uma ação conjunta entre várias pessoas, que incluíam Maria Thereza, esse processo não se concluiu. Ver: https://www.youtube.com/watch?v=0zXaQX-Ug3A

[4] Depoimento concedido na mesa on line Seeds of Change/Sementes da Mudança.Ver: https://www.youtube.com/watch?v=0zXaQX-Ug3A

[5] Escrevi uma resenha sobre o livro Autobiografia de um polvo e outras narrativas de antecipação, de Vinciane Despret, na qual essa perspectiva feminista de relação com a ciência aparece mais desenvolvida.  https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/01/magnifico-autobiografia-de-um-polvo-e-reflexao-sobre-escrita-dos-animais.shtml

[6] Depoimento concedido na mesa on line Seeds of Change/Sementes da Mudança.Ver: https://www.youtube.com/watch?v=0zXaQX-Ug3A

[7] Depoimento concedido na mesa on line Seeds of Change/Sementes da Mudança.Ver: https://www.youtube.com/watch?v=0zXaQX-Ug3A

[8] Sabemos como as coisas vem mudando nos últimos anos a ponto de termos intelectuais indígenas relevantes e constantemente citados como Ailton Krenak, esse que se tornou membro da Academia de Letras, em 2023, e Davi Kopenawa, especialmente pelo livro a A queda do céu, escrito em parceira como antropólogo Bruce Albert. Ao mesmo tempo que se faz importante observar como é algo recente e não estático. Além disso, por outro lado, Denilson Baniwa em entrevista, salienta como não há ainda indígenas que escrevem sobre arte. Ver: https://gamarevista.uol.com.br/especial/denilson-baniwa-falta-de-uma-producao-textual-indigena-sobre-arte-me-tira-o-sono/

[9]  Ver: https://www.veralistcenter.org/events/2016-2018-prize-winner-maria-thereza-alves

[10] Ver: http://www.descolonizandobrasil.com.br

[11] Depoimento concedido na mesa on line Seeds of Change/Sementes da Mudança.Ver: https://www.youtube.com/watch?v=0zXaQX-Ug3A

[12] Francisco Adolfo de Varnhagen, também conhecido por visconde de Porto Seguro, foi um militar, diplomata e historiador brasileiro, autor da primeira obra que procurou sintetizar a história do Brasil, intitulada História Geral do Brasil, publicada em dois volumes entre 1854 e 1857.

 

Bibliografia:​

 

ALSUGARAY, Paula; ALVES, Maria Thereza; MONACHES, Juliana. O colonialismo vigente no Brasil é mantido em segredo público. Entrevista com Maria Thereza Alves. In. https://select.art.br/o-colonialismo-vigente-no-brasil-e-mantido-em-segredo-publico/ Último acesso em 18 de janeiro de 2023.

BOETZKES, Amanda. The Ethics of Earth Art. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.

FERDINAND, Malcolm. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022. Livro eletrônico.

Neste artigo analiso três trabalhos da artista brasileira Maria Thereza Alves (1961–) desenvolvidos no Brasil, na intenção de pensar aspectos da sua prática que partem da organização e colaboração com comunidades indígenas brasileiras e que trazem visibilidade às culturas e saberes desses povos, bem como enaltecem o seu direito a terra. Os trabalhos observados foram desenvolvidos pela artista em sequência, o que possibilita entendê-los enquanto parte de um mesmo processo continuado ao longo de três anos. São eles: "Uma possível reversão de oportunidades perdidas", em 2016, desenvolvido para a 32ª Bienal de São Paulo; "Um vazio pleno", em 2017, para a segunda edição da Frestras Trienal de Artes, em Sorocaba; e "Descolonizando o Brasil", em 2018, realizado através do financiamento do Sesc de Sorocaba. A metodologia de Maria Thereza passa, nos três casos, pelo diálogo com populações indígenas de diferentes etnias com quem ela desenvolve conversas e dinâmicas que irão compor o conteúdo e o formato dos trabalhos. Além disso, é a artista quem se desloca até essas populações e seus espaços, urbanos e rurais, se conectando aos seus territórios que também se somam às reflexões levantadas. Assim, não somente as pessoas, mas seus ambientes protagonizam aquilo que é exibido no espaço expositivo. A imaginação aqui, está a serviço de questionar a história como ela foi contada, do ponto de vista dos colonizadores europeus, oferecendo novas opções de entendimento da realidade. Embora seja brasileira, tendo crescido na zona rural na divisa entre São Paulo e Paraná, Maria Thereza não vive no Brasil desde a sua juventude. Sendo assim, sua prática artística foi quase totalmente desenvolvida fora do país, mas sem deixar de levar em conta o que viveu e o que acontece aqui. Muito antes pelo contrário, já que a questão colonial no Brasil é um elemento fundamental na sua atuação. Em entrevista à Revista Select, em 2022, ela afirma: “O colonialismo é o roubo e a destruição da terra, dos seres da terra, dos recursos, bem como das culturas e das línguas. Usei vários meios para tornar visível o colonialismo vigente no Brasil [...]” (Alves, 2022). Na juventude, quando morava em Nova York, nos Estados Unidos, onde se formou em artes na Copper Union, Maria Thereza também deu início a uma atuação pública na política. Em 1978, ela atuou junto ao Conselho do Tratado Internacional do Índio, para o qual desenvolveu uma apresentação contra a ditadura brasileira em sua violação aos direitos humanos dos povos indígenas, que foi apresentada na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 1979. Foi nessa época que a artista conheceu Tupã-Y Guarani, que solicitou a ela que ao invés de criar uma organização indígena nacional brasileira, que já existia, a UNI – União das Nações Indígenas, ela seguisse trabalhando na política internacional pelo direito à terra. Foi também nessa época que a artista, no Brasil, se envolveu com partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT). Porém, ficando descontente com a ausência de plataformas que pensassem as questões ambientais, fundou junto com mais dois amigos o Partido Verde (PV), em 1987. É interessante notar como tanto documentos históricos que identificam a relação da artista com o PT quanto com o PV são incluídos no site pessoal da artista, sendo apresentados como parte integrante de suas obras [1]. No site de Maria Thereza, é possível encontrar o programa do Partido Verde na íntegra e nele a cláusula dedicada as questões indígenas que foi implementada pela artista. Atualmente, Maria Thereza vive no trânsito entre Berlim, na Alemanha, e Roma, na Itália. Mesmo não morando no Brasil, sua prática se ocupa de pensar as dinâmicas que estruturam o território nacional numa lógica que oprime seus povos originários até hoje. Aspecto esse que é elaborado de maneira contundente nas três obras aqui analisadas. Nas palavras da artista, o trabalho "Uma possível reversão de oportunidades perdidas" (2016), “tem como ponto de partida a exclusão consistente da voz indígena na sociedade contemporânea no Brasil, negando, assim, a agência às comunidades indígenas na contribuição para a construção de uma sociedade verdadeiramente multiétnica.[2]” Para este trabalho, realizado para 32ª Bienal de São Paulo intitulada Incerteza Viva, com curadoria de Jochen Volz, Maria Thereza realizou três oficinas no Brasil em comunidades indígenas nas quais os participantes discutiram possibilidades para a descolonização das escolas, da literatura, da história, da tecnologia e da sociedade. A artista salienta como o aceite dos estudantes indígenas no ensino superior é algo recente e como, além disso, as línguas indígenas seguem não sendo reconhecidas oficialmente pelo sistema de ensino institucionalizado [3] . Assim, "Uma possível reversão de oportunidades perdidas" começa com uma oficina onde os participantes indígenas propuseram desenvolver uma série de conferências hipotéticas sobre vários assuntos que são de interesse atual para eles. Segundo Maria Thereza, as conferências são hipotéticas porque nunca acontecerão [4]. O resultado final deste trabalho, conforme foi exposto na 32ª Bienal de São Paulo e pode ser visualizado no site da artista, são uma série de cartazes de divulgação dessas conferências. Os cartazes contêm datas retroativas, uma semana antes de quando foram afixados, para dar a impressão de que o evento já ocorreu, e foram distribuídos nas cidades onde as oficinas ocorreram em universidades, instituições e outros espaços públicos como bares e mercadinhos. Segundo a artista, os cartazes colocam as conferências como um fato consumado na sociedade brasileira permitindo perceber as imensas possibilidades de discurso e troca que não estão ocorrendo devido à exclusão das vozes indígenas em todos os campos do pensamento contemporâneo no Brasil. Entre as conferências imaginadas pelos estudantes podemos ler títulos como “O papel da aldeia no processo de descolonização da narrativa dos caubóis no Mato Grosso do Sul”, de Arrieth Dias Alonso Samaniego, ou “Antecipando futuros descolonizados na literatura indígena”, de Maísa de Oliveira Dias, ou ainda “Made in aldeia: ser humano através de ótica indígena”, de Naine Terena. Dessa maneira, chama a nossa atenção seus conhecimentos e experiências específicas, convocando a nossa sensibilidade a dialogar com esse conhecimento como se ele existisse. Este aspecto e seus efeitos estéticos ganham força quando pensados junto a feministas da ciência como Vinciane Despret [5]. A filósofa belga, especialista no comportamento dos animais e diálogo com pensadoras como Donna Haraway e Isabelle Stengers, desenvolve narrativas especulativas relacionadas a ciência e a maneira de fazê-la que nos provocam a pensar outros mundos possíveis. Ao misturar elementos que entrecruzam um futuro especulativo e aparentemente distante com pesquisas que vêm acontecendo no presente, Despret desmonta nossa percepção de um mundo condenado ao fracasso e acende nossa percepção para possibilidades de transformação que operam nas estruturas produtoras de conhecimento. Na mesma medida, Maria Thereza, ao envolver questões relevantes para as comunidades indígenas, chama atenção não só para a sua ausência mas para aquilo que mesmo quem não é indígena está perdendo ao deixar essas questões de fora. No ano seguinte a Bienal de São Paulo, Maria Thereza desenvolveu a obra "Um vazio pleno", realizado para segunda edição da Frestas Trienal de Artes, em Sorocaba, intitulada "Entre Pós-verdades e Acontecimentos", com curadoria de Daniela Labra. A ideia central de "Um vazio pleno" foi discutir a omissão da presença indígena na história da cidade de Sorocaba. Entre os aspectos salientados pela artista [6], está o fato de que embora a cidade tenha sido construída com o trabalho forçado de quatrocentos povos indígenas escravizados, a presença indígena no Museu Histórico Sorocabano é restringida unicamente a algumas urnas cerâmicas com pouquíssimas informações fornecidas pelos rótulos do museu. Maria Thereza desenvolveu, assim, uma instalação com objetos cerâmicos, uma palestra conduzida por duas ativistas da aldeia Guarani, uma oficina com estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e uma oficina de cerâmica conduzida por Maximino Rodrigues e Michely Vargas, no qual eles compartilharam os resultados das pesquisas que haviam reunido em sua aldeia no Mato Grosso com uma outra aldeia em São Paulo. Sobre esta última atividade, Maria Thereza salienta[7] como teve dificuldade de encontrar ceramistas guaranis, embora desenvolvessem a cestaria com maestria. Em função disso, ela entrou em contato com ceramistas de uma comunidade no Mato Grosso do Sul, em Dourados. Lá também não havia ninguém que fizesse cerâmica, mas eles se ofereceram para aprender a fazer para compor o trabalho. Para tal, Maximino e Michely entrevistaram os anciãos da aldeia e comentaram, conforme relata a artista, como se tratou de um processo emocionalmente difícil, pois fazia os velhos lembrarem do processo tradicional de fazer cerâmica e como isso já não fazia mais parte da sua cultura. O fato de a principal atividade econômica de São Paulo nos primeiros duzentos anos de colonização ter sido a venda de indígenas escravizados que foram capturados desde a costa do Atlântico até a fronteira com a Argentina e o Paraguai é outro aspecto que Maria Thereza chama atenção. Com isso, a artista enfatiza como as terras aqui no Brasil não eram desabitadas, mas sim passaram por um processo deliberado de limpeza étnica. Em Uma ecologia decolonial (2022), do martinicano Malcolm Ferdinand, é possível encontrar ressonância na fala de Maria Thereza, quando o engenheiro ambiental e filósofo político afirma que entre os princípios que estruturam o habitar colonial está o altericídio, que significa “a recusa da possibilidade de habitar a Terra na presença de um outro, de uma pessoa que seja diferente de um “eu” por sua aparência, seu pertencimento ou suas crenças” (Ferdinand, 2022, posição 611). Assim, é parte do processo de colonização a negação da alteridade na qual só eram reconhecidas outras nações europeias e cristãs com as quais a Terra era partilhada. Maria Thereza conta ainda como era recorrente a sua avó dizer pra sua mãe, e sua mãe dizer pra ela: “quando eles vêm, foge.” Por isso, por hábito Maria Thereza tinha seus pertences em uma mala. O que nos explica, ao menos parcialmente, o motivo da cerâmica ter deixado de ser fabricada. Dada a sua condição de objeto pesado, precisava ser abandonada. Assim, em colaboração com os ceramistas Maximino e Michely, a artista confeccionou réplicas de urnas funerárias, moringas e cacos presentes no Museu Histórico Sorocabano. As peças foram então inseridas em diversos pontos na região central da cidade de Sorocaba, na intenção de reinscrever a presença indígena no espaço público e no imaginário local. Além disso, em diálogo com a família do líder guarani Joaquim Augusto Martim, fundador da aldeia Yyty, no pico do Jaraguá, a artista convidou as educadoras guarani Eunice Martim e Poty Poram para realizar uma conferência sobre a realidade guarani no estado de São Paulo. A fala teve início no largo de São Bento diante do monumento do bandeirante fundador de Sorocaba Baltasar Fernandes e foi seguida numa caminhada até a praça Dr. Arthur Fajardo, junto ao monumento a Rafael Tobias Aguiar, fundador da Polícia Militar. Por fim, mas não menos importante, Maria Thereza realizou uma oficina com os estudantes indígenas da Universidade Federal de São Carlos. Os estudantes solicitaram que alguns dos objetos de cerâmica feitos para o projeto fossem colocados no campus, pedido que foi atendido pela artista. Os estudantes colocaram as peças em locais onde eles frequentavam as aulas e circulavam com frequência tais como a biblioteca e o restaurante universitário. Ao longo da oficina, os participantes produziram entrevistas, documentadas em vídeo conduzidas pelos estudantes indígenas que perguntavam aos não indígenas o que eles conheciam e o que pensavam sobre os povos originários. Maria Thereza também disponibilizou aos alunos um guia com textos traduzidos de intelectuais indígenas de vários lugares do mundo, reconhecidos por seus pares. Os estudantes indígenas brasileiros ficaram frustrados por não ter sido incluídos textos de intelectuais indígenas do Brasil [8]. Maria Thereza salienta como esse guia de estudos foi feito justamente para chamar a atenção para a falta de publicações com intelectuais indígenas no território nacional e como é somente no século XXI que isso começa a mudar, atrasando a possibilidade de um Brasil mais inclusivo. Em relação a esse último aspecto é oportuno considerar como as experiências e a atuação política e intelectual de longa data de Maria Thereza, anteriormente mencionadas, fortalecem seu posicionamento. Os estudantes participantes da oficina pediram a Maria Thereza que ela retornasse ao Brasil, para que juntos pudessem realizar a publicação. Maria Thereza aproveita o prestígio conquistado na época, após receber o prêmio "Vera List Center Prize for Art and Politics" [9], e pede ao Sesc de Sorocaba que eles financiem o projeto. O Sesc aceita e ela solicita aos estudantes que façam uma lista de desejos do que gostariam de fazer e quais materiais necessitariam para a realização. Junto ao grupo, a artista solicita ao Sesc uma série de equipamentos tais como câmeras de vídeo, diárias de estúdio de som, alto-falantes, monitores, tablets e um computador. Com esse material eles realizaram o projeto "Descolonizando o Brasil" que, em 2018, foi exposto no Sesc de Sorocaba. "Descolonizando o Brasil" intitula, assim, a exposição na qual são mostrados os resultados das oficinas e seus produtos e também uma publicação online na qual é possível ter acesso a todo o seu conteúdo [10] . A realização do projeto começa com a ida dos estudantes e da artista na Floresta Nacional de Ipanema, a FLONA, na intenção de conviverem com a Mata Atlântica, ou, nas palavras da artista “para colocar todos na terra” [11]. Na FLONA, eles desenvolveram um cobertor de pano com as cores favoritas de cada um para depois enrolarem a peça em volta do monumento a Varnhagen [12], na intenção de retomar simbolicamente aquele espaço. Numa movimentação que nos convoca a pensar as figuras representantes desses espaços congeladas em monumentos que, para a artista, deveriam ser repensados para considerarem os primeiros ocupantes daqueles espaços. Posteriormente, foi feita uma atividade na qual cada participante deveria onerar o nome de um ativista ou grupo indígena a ser escrito num pedaço do cobertor. Esse tecido retornaria a FLONA na intenção de retomar o lugar. Um dos nomes foi, por exemplo, do indígena Galdino Pataxó, que em 1997 chegou a Brasília no dia do índio para tratar das questões de demarcação de terra do seu povo e foi morto por cinco jovens da elite brasileira. Um dos guias da FLONA comentou da sua vontade de mudar o nome das trilhas que haviam sido feitas pelos povos originários e, no entanto, tinham nomes de brancos como o do português Afonso Sardinha. Além disso, os estudantes participantes do projeto falavam um total de nove línguas que não são reconhecidas como idiomas e costumam ser penalizados por não falarem português com excelência. Assim, foi desenvolvida uma publicação e áudios nas línguas maternas de cada um deles. Todo o material produzido está disponível para consulta no site do projeto. Maria Thereza também colocou caixas de som nas ruas de Sorocaba para que as pessoas pudessem ouvir as línguas indígenas, algo que ela considera de extrema importância. A téorica da arte norte-americana Amanda Boetzkes defende, em The Ethics of Earth Art (2010) a ideia de uma “ética do lugar” na qual o que está em jogo na produção artística é o lugar real onde os artistas e os espectadores se encontram, ao invés do espaço abstrato de um museu ou de uma galeria. A inovação de um artista, desse ponto de vista, passa não apenas por uma questão de estilo, para melhorar sua reputação ou ego, mas sim traz um novo grau de sentido e coerência para as relações que estão sendo estabelecidas. Além disso, Boetzkes salienta como a orientação ecológica na arte está menos fundada em uma nostalgia antimoderna e mais ancorada em abrir novas possibilidades de organização social, aspecto esse que me interessa especialmente. Ao pensar as práticas colonizadoras que ocuparam o território do Caribe, Malcolm Ferdinand salienta como só se pode pensar a terra sob a condição da presença dos outros. “Sem os outros, a Terra não é Terra, é deserto ou desolação. Habitar a Terra começa nas relações com os outros.” (Ferdinand, 2022, sem paginação). Desse modo, apreender filosoficamente o habitar colonial requer o interesse por outras maneiras de ser, o conhecimento dessas e de outras terras, desses outros humanos e não humanos. Entrelaçado a perspectiva de poeta e filósofo Aimé Césaire, Ferdinand sugere, assim, uma concepção de habitar que leve em conta “aqueles sem os quais a terra não seria terra” (Ferdinand, 2022, sem paginação). Tal posicionamento nos ajuda a compreender o deslocamento de Maria Thereza ao território das comunidades com quem ela se relaciona. Em como, ao fazer isso, ela compõe suas obras junto as questões referentes a posse destas terras, suas potências e simbolismos, bem como suas demandas por transformações. Esses elementos passam a constituir os seus trabalhos, mas também são definidores e transformadores da vida das pessoas envolvidas.

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