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Polifonia latente no método APG
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Londres, Reino Unido (1966-1989)

Resumo: O ensaio comenta sobre a formação do APG (Artist Placement Group), coletivo artístico fundado por Barbara Steveni, em parceria com John Latham, na década de 1960 (1966-1989), na Inglaterra. Buscando testar o reposicionamento do lugar do artista fora do espaço do ateliê, a partir de imersões em ambientes não-artísticos, o APG se constituiu como uma iniciativa em que a pesquisa e a produção artística passou a se dar junto a instâncias de troca com agentes de outras esferas produtivas, em meio ao cotidiano de empresas privadas, de corporações, fábricas, indústrias, departamentos do governo e outros tipos de instituições estatais.

 

Já era tarde. Virou noite rápido e o céu ficou escuro quando ela se perdeu sozinha de carro pelas estradas menores que cruzavam a rodovia arterial dos arredores de Londres. A zona por onde dirigia era um grande complexo industrial que abrigava fábricas como as da Mars e da Rolex, entre outras tantas. Barbara Steveni, artista conceitual persa, criada na Índia e residente na Inglaterra, havia passado por esse mesmo local há alguns anos quando recebera Daniel Spoerri, Robert Filliou e George Brecht na cidade – à época, os três artistas encontravam-se na Grã-Bretanha para participar de uma mostra ligada ao grupo Fluxus, organizada pela Victor Musgrave’s Gallery One, aberta em 1962. Junto com Steveni, os artistas percorreram quilômetros pela beira daquela mesma autoestrada em busca de sucatas, restos de plástico e resíduos materiais para serem usados na exposição. Alguns anos após a mostra de 1962, Steveni se via novamente nesse mesmo lugar, agora sem saber muito bem o caminho de volta à casa. John Latham, seu marido e companheiro de trabalho, não estava com ela nesse dia. Dirigindo sozinha, a artista seguiu tentando se localizar, olhando atenta a paisagem industrial do entorno. Em entrevista dada a Melanie Roberts em 1998 para o projeto de história oral Artist’s Lives do The National Life Stories, ligado à British Library, Barbara Steveni narrou o episódio contando que fora naquele dia que lhe surgiu a ideia de testar um novo programa de trabalho. Relatou que foi justamente naquele momento, perdida pela zona industrial, que se viu pensando sobre seus próprios processos criativos e dos artistas do seu entorno. Perguntou-se se, em vez de apenas incorporar às suas obras materialidades que vinham do descarte (em vez de empreender todo um esforço coletando baldes e mais baldes cheios de plástico, detritos e sobras descartadas pelas fábricas de lá no intuito de problematizarem e de fazerem referência, via obra, àquele mundo produtivo e do consumo), perguntou-se se não poderia se aproximar ainda mais desse universo fabril e industrial, a envolver-se com ele de modo mais concreto (STEVENI, 1998, p. 71). Foi então que surgiu o APG - Artist Placement Group, iniciativa em que a produção artística se daria fora do espaço do ateliê, a partir de imersões em “ambientes não-artísticos”, ou seja, em ambientes do próprio “contexto da sociedade funcional” (TATE, 2022). O que Steveni esboçava era a criação de um programa de trabalho que experimentaria reposicionar o lugar do artista, alocando-o em um contexto social mais amplo, de modo que seus procedimentos de pesquisa, de elaboração e produção de obra pudessem se vincular a diferentes instâncias de atividades produtivas de corporações, de fábricas, do comércio ou mesmo da gestão pública estatal. O APG foi então fundado por Barbara Steveni em 1966, junto com John Latham. A casa do casal, na Portland Road em Nothing Hill (ponto de encontro da cena underground da contracultura londrina dos anos 1960), começou a abrigar reuniões que aproximaram artistas como Anna Ridley, Barry Flanagan, David Hall, Jeffrey Shaw e Stuart Brisley. Com o tempo, outros colaboradores foram aderindo à proposta. Uma das primeiras experiências de estágio se deu com o artista Garth Evans, junto à British Steel Corporation, em um grande complexo de produção de aço na Inglaterra. Logo em seguida, o grupo já armaria articulações com âmbitos universitários, com unidades de terapia intensiva hospitalares, com companhias aéreas, zoológicos, redes televisivas e indústrias de petróleo. Além de idealizadora do programa e de seu modelo de atuação, Steveni era também a grande responsável por operacionalizar essas negociações. Era ela quem contatava representantes e diretores corporativos, agenciando reuniões e escrevendo cartas, cujo intuito era convencer esses responsáveis a toparem receber um artista na condição de residente em suas instituições. Sua atuação, à época, lecionando na Escola de Arte de St. Martin favoreceu diálogos (e atraiu vínculo com artistas, em sua maioria, atrelados à produção escultórica da universidade). Uma das pessoas que a ajudou a encontrar formas de abordar o setor da indústria fora Frank Martin, Chefe de Escultura da universidade, que sugeriu a ela que estabelecesse ponte com Robert Adeane, colecionador e empresário, primeiro presidente da Galeria Amigos da Tate, apoiador do então diretor Norman Reid (STEVENI, 1998, p. 97), conselho este que permitiu que a rede do APG ampliasse em escala. Foi somente nos primeiros anos da década de 1970 que Steveni consolidou instâncias de interação com órgãos governamentais da Grã-Bretanha e estabeleceu parcerias para que os artistas passassem a se envolver mais diretamente também com o setor estatal. No entanto, para que a ideia fosse posta em prática, definiu-se uma metodologia rigorosa de trabalho: cada artista seria alocado, via acertos e negociações prévias, em corporações da sociedade de mercado, no comércio, em setores da indústria ou em departamentos do governo, por meio de um acordo contratual. A partir disso, desenvolveriam trabalhos artísticos em uma conjuntura permeada pelos processos produtivos do espaço onde se encontravam. Tentou-se até substituir o termo “artista” pela expressão “pessoa incidental” (o que, de acordo com Steveni, em fala proferida na Raven Row Gallery no ano de 2012, por vezes trouxe mais confusão que qualquer esclarecimento); gesto que, de todo modo, respondia a um desejo de propor a revisão dos léxicos e sentidos tradicionalmente atribuídos à função do artista, ao repensar sua relação com a sociedade civil. E para que essa “pessoa incidental” pudesse de fato mergulhar em um processo de pesquisa e criação nesses setores, ela deveria estar diariamente implicada e envolvida no cotidiano dessas organizações. Ela seria remunerada conforme os demais funcionários – com o apoio financeiro da organização anfitriã –, embora pudesse manter certo tipo de autonomia em relação aos interesses e às demandas imediatas da corporação. A intenção era que o artista entrasse em um ambiente desconhecido justamente para conviver com aquela dinâmica, para fazer perguntas e para somar outros modos de compreensão ou de leituras sobre aquele contexto – isso sem chegar com qualquer proposta já delimitada, tampouco carregando a obrigação de ter que produzir, necessariamente, um resultado artístico objetual específico. Presenciando procedimentos; atentando-se às dinâmicas de trabalho; tornando-se sensível às percepções trazidas por colegas de setor; acompanhando instâncias decisórias e de discussões coletivas sobre os interesses corporativos, o artista atuaria como uma espécie de auditor interno, mas de olhar distanciado, desobrigado das promessas produtivas e das demandas do setor. Após um período de três meses de observação in loco, esse mesmo artista lançaria um “estudo de viabilidade”, ou melhor, uma espécie de relatório no qual seria apresentada uma proposição de trabalho a ser realizado durante um estágio que poderia durar alguns meses ou até mais. O APG contava ainda com um conselho administrativo (uma espécie de board – algo que por si só já dava um tom bastante corporativo ao funcionamento da iniciativa) que acompanharia os processos de estágio e promoveria debates e reflexões coletivas às experiências individuais de cada artista. Contudo, mesmo com esse desenho metodológico bastante definido, a operação do Artist Placement Group nunca chegou a prever a formalização de qualquer manifesto ou normativas que pretendessem guiar a conduta do artista. Talvez se possa até dizer que um dos seus princípios fundamentais fosse justamente a premissa do open brief (briefing aberto), concepção usada para comunicar algum tipo de garantia da independência do residente em etapas de pesquisa e proposição. Desse modo, buscava-se incentivar que seu processo criativo fosse disparado invariavelmente a partir da interação estabelecida com aqueles ao seu redor. No seu caráter aberto, dialógico e até aporético, o método de trabalho desenhado por Barbara Steveni (impulsionado também por John Latham) se dava a partir do envolvimento entre indivíduos (artistas, operários de fábricas, comerciantes, funcionários públicos, colegas de diferentes setores e diretores de alto escalão) que, na sua diversidade, relacionavam-se e entrelaçavam-se mutuamente numa rotina compartilhada, sem metas ou finalidades predeterminadas. Assim, ao alocar a produção artística em um contexto social por excelência polifônico – já que reunia uma multiplicidade de visões e compreensões de mundo não necessariamente afins –, as experiências do APG surtiam menos como resultantes de um plano a priori do que como reações decorrentes de situações e afetações contingentes, frutos de um fluxo de trocas isento de uma condução norteadora. Havia, certamente, algum diálogo entre a proposta de Steveni com a produção artística conceitual da época (o que é ainda mais evidente se levarmos em consideração a trajetória e o repertório dos artistas envolvidos). Havia também um desejo de propor formas de deslocamento da arte para fora do sistema convencional de museus e galerias, ainda que esse distanciamento se desse mais no plano conceitual do processo criativo, já que as produções realizadas pelo APG migravam, em grande medida, de volta para a cena institucional, organizando-se, no contexto da época, em exposições como na Hayward Gallery, no ano de 1971, na Whitechapel Art Gallery, em 1977, ou na própria Documenta 6, que se deu no mesmo ano. No caso da “Inno 70: Art & Economics”, primeira mostra realizada na Hayward, na cidade de Londres, membros do APG ocuparam a galeria e fizeram dela sua casa durante a exposição. Nela, alocaram boa parte do material documental que comentava as experiências de imersão vividas até então e montaram instalações fundadas em relatórios, registros fotográficos, vídeos e trechos de entrevistas. Leonard Hessing apresentou uma escultura em tecido, feita a partir da sua interação com a indústria ICI Fiber. John Latham trouxe à galeria uma proposta instalativa feita a partir de um acidente que recém havia sofrido e do vínculo que estabelecera com a unidade hospitalar do Clare Hall Hospital, enquanto Garth Evans encheu uma das salas da instituição com pedaços de aço que eram “constantemente reorganizados espacialmente” (STEVENI, 1998, p 99) e cujo processo de fabricação estava diretamente associado à região siderúrgica de Port Talbot, onde havia trabalhado. Andrew Dipper, jovem artista aluno de Barry Flanagan da universidade de St. Martin, expôs um filme em Super 8, gravado durante seu período de imersão no navio petroleiro da Esso Petroleum, que registrava a alteração das correntes em alto mar no momento em que o navio inglês se aproximava do golfo arábico. A mostra também contou com uma mesa de diretoria intitulada The Sculpture, em que membros do APG acionavam discussões ao vivo entre artistas e representantes das organizações anfitriãs. Na época, a proposta (cuja ideação e produção teve forte ingerência do artista Jeffrey Shaw) foi recebida com alguma hostilidade. Frente a um contexto que ainda buscava compreender o funcionamento do APG e suas afirmações conceituais, a exposição foi “a mais mal frequentada da história da galeria” (BISHOP, 2010) e vista como uma exibição “cheia de tudo menos de arte” (JAMES, 2013). Mais que isso, a aproximação de artistas com profissionais da indústria era em grande medida vista como um movimento acrítico e de cooptação do coletivo ao comércio e à ordem econômica capitalista que dava o pano de fundo dos setores produtivos com os quais se articulavam. “Inno₇0 polarizou artistas e críticos. O principal foco de reclamação crítica foi a impenetrabilidade seca da exposição. ‘É uma atmosfera de sala de reuniões, de reuniões gerenciais da alta hierarquia’, opinou Guy Brett no London Times. ‘A evidência visual não parece diferente de uma publicidade empresarial’, observou Caroline Tisdall, do The Guardian, sobre a documentação de Dipper. Esse ambiente burocrático, detectado por esses comentaristas – uma variante corporativa do que Benjamin H. D. Buchloh posteriormente denominou (em relação à arte conceitual) como uma ‘estética da administração’ –, provocou ansiedade, já que parecia sinalizar uma colaboração com a alta administração” (BISHOP, 2010). Peter Fuller, crítico britânico, alegou falta de Marx na proposta como um todo (FULLER apud BISHOP, 2010). Gustav Metzger (METZGER, 1972), no seu texto “A critical look in APG”, apontou a ausência de uma postura explícita de oposição às empresas com as quais negociavam, já que esse caminho neutro, ou “do meio”, anunciaria um comprometimento, inevitável, com as premissas da direita. Stuart Brisley (ele mesmo um membro participante do grupo) também criticou a falta de posicionamento político e se referiu (indiretamente) ao APG, no seu texto “No it is not on”, publicado pela Studio International, como uma organização na qual arte e artistas eram vistos como “amplamente irrelevantes, dadas as prioridades da sociedade capitalista” (BRISLEY, 1972). Em boa medida, a recepção crítica decorrente da mostra na Hayward Gallery rejeitou o que fora exibido com fundamentação de ordem estética e reprovou o método de produção do APG por não ver nele um gesto de oposição ideológica aos procedimentos industriais e mercadológicos com os quais a iniciativa se envolvia. Assim, em meio a essa reivindicação por uma postura política antissistêmica; por uma conduta de contestação e enfrentamento; bem como por um confronto declarado entre “nós e eles” que deixasse registrada uma dissidência discursiva perante cúpulas de poder que representavam a ordem do capital – passava desapercebida a experimentação de um ferramental artístico interativo que não deixava de introduzir, em tom implícito, nuances específicas e dissonantes próprias às trocas que se estabeleciam nesses processos de imersão. Mas se havia quem tenha reivindicado do APG uma explicitação enunciativa de oposição; havia também quem visse naquela suposta “neutralidade” um mecanismo para que a própria arte estabelecesse acesso com diferentes setores sociais, tornando-se capaz de ativar diálogos nos quais “domínios ideológicos díspares” poderiam ser “colocados em confronto” (BISHOP, 2010), para além das fronteiras e dos “alcances limitados” do mundo da arte” (JAMES, 2013). Anos depois, mesmo com a imprensa e a crítica pronunciando resistência à suposta indiferença apolítica do projeto, à sua lógica de contaminação e à estética asséptica e burocrática que materializava os trabalhos artísticos do APG, os debates que vinham sendo por ele levantados (que buscavam problematizar o papel social do artista em circunstâncias de envolvimento com a indústria e com o estado) ganharam maior destaque, ampliaram sua visibilidade internacional e ocuparam o Fridericianum Museum em 1977, no evento de abertura da Documenta de Kassel. Durante a inauguração, a convite de Joseph Beuys, foi organizada uma mesa de discussões, aos moldes de The Sculpture (trabalho realizado na Hayward Gallery), na qual o próprio Beuys, junto com Herve Fisher e membros do programa, se debruçaram em análises sobre o modelo de trabalho do APG. O debate central questionava se era possível conciliar as obrigações contratuais com as instituições colaboradoras e, ao mesmo tempo, manter a autonomia criativa e propositiva dos artistas. O desafio não se limitava a evitar uma postura passiva e acrítica perante os setores público e corporativo; mas assegurar que os artistas pudessem expressar posicionamentos divergentes; sustentando e tornando visíveis a multiplicidade de interpretações que podem emergir desses contextos produtivos. Atualmente, é se debruçando sobre os documentos, relatos e sistemas de anotação do Artist Placement Group que parte dessas considerações e pontos de vistas disparados por membros participantes no contexto de ativação do trabalho pode ser percebida e acessada. Hoje, a documentação resultante do APG forma parte do APG Archive, material que vem sendo catalogado pela TATE Britain, desde o ano de 2004. Os registros que hoje referenciam a produção da época reúnem um tanto de cópias de relatórios, cartas de negociação, termos contratuais, documentos de estágio, registros de vídeos, propostas de intervenção, ilustrações, fotografias, bem como textos e comentários que agrupam considerações e participações de agentes mais diretamente vinculados à propositiva. Somam-se a esse exercício de sistematização trabalhos de coleta oral (tal como a transcrição da entrevista com Barbara Steveni, feita pelo projeto National Life Stories: Artist’s Lives, programa de História Oral da British Library; ou os encontros gravados pela Raven Row Gallery, realizados no ano de 2012, por ocasião da mostra The Individual and the Organisation: Artist Placement Group 1966-79, nos quais artistas, críticos, historiadores, funcionários e anfitriões de organizações envolvidas reuniram-se para conversar sobre as experiências vividas por cada um). Além das circunstâncias exibitivas pelas quais passou o APG durante seu período de existência, foi essencialmente através de seus arquivos e documentações históricas que se garantiu o compartilhamento de um método de trabalho cujo formato processual e impreciso se distanciava do escopo de atributos e concepções convencionalmente associados à linguagem do mundo da arte – numa lógica não isenta de estranhamento, o que tampouco deixava de ser sintomático do exercício de transbordamento da produção artística do seu campo específico. Em alguma medida, a proposta metodológica do APG refletiu a ideia de “crítica institucional”, embora, nesse caso, a ideia de “instituição” extravasasse a redoma artística, abrindo caminho para que esse esforço de mobilização de pensamento crítico e de intervenção simbólica alcançasse não mais somente os museus, as galerias ou as grandes instituições da arte e seus espaços de mediação, mas, também, organizações públicas e privadas da sociedade civil. Nessa perspectiva, tomando como referência a recepção que a iniciativa recebeu por parte da imprensa e da esfera crítica à época, talvez a leitura que tenha repreendido a propositiva do APG, por enxergar nela um suposto comportamento de cooptação, de alienação, de favorecimento ou de defesa das instituições e corporações com as quais se vinculava, desconsiderasse o traço polifônico latente característico das ações por ela acionadas. O que havia era, sim, um incentivo ao encontro – um encontro de visões cujas condutas não eram previamente delimitadas e cuja natureza dependia do modo como cada artista o conduzia. De todo modo, o formato de trabalho da iniciativa do APG acionava um mecanismo de disparo e de visibilização entre as distintas perspectivas que eram colocadas em confronto e que rondavam as atividades específicas de cada organização. Assim, para que se apreendesse essa multiplicidade de ressonâncias reverberadas pelos processos do APG, era exigida, por sua vez, uma aproximação dialógica, capacitada a reconhecer a estrutura plural e multifacetada assumida pela proposta. Em relação ao meio artístico específico, pode-se dizer que muito do impacto exercido pela iniciativa do Artist Placement Group se relacionou a esse composto colaborativo e interdisciplinar. Inclusive, o próprio APG é apontado, atualmente, como um dos primeiros exercícios britânicos disparadores dos chamados programas de residência, tal como os conhecemos atualmente (RYCROFT, 2019). Não é incomum ver, hoje, a historiografia ocidental fazer referência à iniciativa como parte de um processo histórico responsável por levar a experimentação estética a espaços alternativos e por contribuir com a inserção da prática artística em locais específicos da produção social, o que não deixa de ser fruto da sistematização e visibilidade dada ao arquivo pela Tate. O que talvez possa fundamentar o destaque que o APG começou a receber no contexto histórico mais recente, além da força da rede por ele ativada, é a durabilidade que o programa alcançou, mesmo tendo surgindo em um momento em que projetos artísticos de longa duração apenas começavam a ser exercitados. Graças às pontes estabelecidas por Bárbara Steveni com representantes do setor público e privado (bem como em razão do apoio estatal viabilizado pelo British Consul), a iniciativa pode-se manter ativa até 1989. Depois disso, o programa sofreu transformação e mudou até de nome, num processo de transição encabeçado por Steveni, em conjunto com outros membros do coletivo. A partir de então, atuando sob a sigla O + I (ou Organização + Imaginação) e descrevendo-se como “uma iniciativa independente e internacional”, formada por uma rede de “consultoria e organização de pesquisa”, cujo conselho de administração era constituído por “membros e consultores especializados, no qual se incluíam artistas, funcionários públicos, políticos, cientistas e acadêmicos de diferentes disciplinas” (TATE, 2022), o projeto teve continuidade mantendo-se interessado em testar exercícios estéticos organizados em temporalidades prolongadas e atestando sua aposta em seguir posicionando o processo criativo (na sua natureza contextual e colaborativa) no lugar da execução de uma obra física tradicional. Por fim, parece terem sido abertos, via o APG, espaços férteis para se analisar condições de impacto e transferência insurgentes de zonas limítrofes de atuação – onde a arte entra em encontro com outros procedimentos e desempenhos operacionais – e também para se avaliar as potências emergentes do embate coletivo que constitui seus procedimentos artísticos. Afinal, no reconhecimento da diversidade social que estruturava aquelas experiências artísticas se encontrava também subsídio para se anotar suas próprias irradiações e alguns dos efeitos e implicações epistemológicas que começavam a ser por elas disparadas – de modo que foi no processo em si e em suas reminiscências que se estruturou sua base de ação. Já que, ao fim e ao cabo, o que parecia estar em jogo não era o que a iniciativa havia impulsionado como resultado artístico em si (como legado fixo ou como materialização do seu registro histórico), mas, sim, o que ela sugeria e significava enquanto potencial metodológico de uma troca marcada pela polifonia no seu alargamento temporal – reflexão esta que ainda será cara aos trânsitos que a arte atravessa nos dias de hoje.

imagens ©TheAGPArchive

Bibliografia

 

BISHOP, Claire. Rate of return: the Artist Placement Group. In: Artforum, Nova Iorque, v. 49, n. 2, 2010. Disponível em: <https://www.artforum.com/ print/201008/rate-of-return-the-artist-placement-group-26419> Acesso em: 22 abr. 2022.

BRISLEY, Stuart. No it is not on. In: Studio International, Nova Iorque, v. 182, n. 942, 1972.Disponível em: <http://www.stuartbrisley.com/pages/29/70s/Text/_No_It_Is_Not_On______Article_relating_to_Artist_Placement_Group/page:17> Acesso em: 13 dez. 2022.STEVENI, Bárbara. The National Life Stories.Artist’s Lives. Entrevista concedida à Melanie Roberts. The British Library, London, 1998.

STEVENI, Barbara. STAUNTON, Claire; PHILLPOT, Clive; WADE, Gavin; HUDEK, Antony. APG and John Latham. Back to The Individual and the Organisation: Artist Placement Group 1966-79. Londres: Raven Row, 2012. Disponível em: http://www.ravenrow.org/events/apg_and_john_latham_/> Acesso em: 15 jul. 2022.TATE. Artist Placement Group. Online Resources. Londres:Tate Britain. Disponível em: https://www.tate.org.uk/artistplacementgroup/chronology.htm> Acesso em 13 mai. 2022.

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