lab cenas locais


Exposição: a
terra não resistirá
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Rosário, Argentina; Chicago, Estados Unidos (2017)
Texto de Lola Fabres
Resumo: O ensaio comenta a participação da iniciativa Casa Río Lab na exposição The Earth Will not Abide (La Tierra no Resistirá), itinerante pelas cidades de Chicago e Rosário, dedicada a discutir os riscos ambientais advindos da agricultura industrial. A mostra reuniu diferentes projetos e coletivos artísticos interessados em lançar um olhar às principais bacias hidrográficas do planeta. Entre eles, encontrava-se o Casa Río Lab, organização artística, comunitária e ambiental argentina que conta com a colaboração de diferentes atores sociais envolvidos com a Bacia Platina, com o objetivo de exercer ações de mapeamento e discussão territorial, via exercícios de participação ativa, bem como de percepção coletiva e interdisciplinar.
Duas bacias fluviais ganharam destaque, representadas em grande escala, logo na entrada da sala expositiva. À esquerda, via-se a imagem da Bacia Hidrográfica do Mississipi, principal via de escoamento da produção agrícola norte-americana. À direita, o que se tinha era um recorte territorial da América do Sul, contemplando a cartografia da Bacia Hidrográfica do Prata – planície de inundação nascida no Pantanal do Mato Grosso que transcorre por boa parte do sudoeste do Brasil, do Paraguai, do Uruguai, do norte da Argentina e também pelo sul da Bolívia. Como seu nome bem nos lembra, a Bacia Platina, ou del Plata, traz em seus cursos fluviais a memória de um cenário histórico extrativista, por onde se escoava toda prata removida em período colonial desde Potosí. Hoje, dando à soja o protagonismo que um dia fora da prata, a região ainda revisita feridas históricas, ao mesmo tempo em que lida com os impactos decorrentes do agronegócio e com a conjuntura de desestabilização política e perda de autonomia e governança advinda dos efeitos da transnacionalização territorial. Por sua vinculação com a indústria de extração de recursos naturais e por fornecer irrigação e transporte para a maior região de monocultura do globo, a área da bacia tornou-se um ponto crítico em relação à sustentabilidade ecológica e justiça social. Lado a lado, os mapas configuravam os maiores canais de exportação de commodities a nível global e assinalavam, juntos, a dimensão das implicações socioambientais consequentes do modo como seus corredores hídricos tem sido utilizados e aproveitados ao longo do tempo. The Earth Will not Abide (La Tierra no Resistirá) era o título da exposição aberta em Chicago, em abril de 2017, e ela fazia referência ao estado de risco de um planeta incapaz de sustentar suas próprias lógicas de extração e exploração. Organizada na Galeria 400, espaço ligado à Faculdade de Arquitetura, Design e Artes da Universidade de Illinois, a mostra, que posteriormente itinerou para a cidade de Rosário, na Argentina, surgia da aproximação entre artistas, ambientalistas, produtores rurais e ativistas preocupados em questionar a viabilidade ecológica e social da agricultura industrial e suas formas de uso da terra. Com a participação de Brian Holmes, Alejandro Meitin, Ryan Griffis, Sarah Ross, Sarah Lewison, Duskin e Claire Pentecost, o projeto reunia processos de pesquisa e estudos de campo realizados em diferentes pontos da China e das Américas do Norte e Sul e traçava relações entre paisagens e contextos aparentemente distintos, embora diretamente associados por um mesmo sistema econômico uniforme e globalizado. Ainda que geograficamente distantes, esses ecossistemas específicos, afastados entre si, apareciam como terrenos indistinguíveis, padronizados a partir de um regime de produção de grãos “que dá a aparência de abundância, enquanto esgota a fertilidade da terra” (KROEBER, 2018). No entanto, mais que assinalar um planeta em estado de ameaça, o que o projeto curatorial – de autoria coletiva – ajudou a mostrar é que era também nesses contextos rurais industrializados (cuja dinâmica e estrutura fora moldada a partir da ordem do capital global) que formulavam-se, concomitantemente, estratégias pontuais de resistência e preservação – alternativas tanto tradicionais como emergentes que, embora em pequena escala, eram capazes de sinalizar caminhos divergentes em relação aos sistemas da produção agrícola preeminente, consonantes com as urgências ambientais. Living Rivers, trabalho artístico que fazia menção à extensão das bacias Platina e do Mississipi, era um exemplo. Resultado da soma das pesquisas realizadas pelo artista e filósofo norte-americano Brian Holmes (que há mais tempo vinha levando uma investigação sobre os corredores hídricos e sobre o fluxo de mercado de grãos pela região dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos), com os estudos alavancados por Alejandro Meitin (artista e engenheiro ambiental que vinha impulsionando estudos cartográficos sobre as regiões das planícies de inundação do rio Paraguai e Paraná), a obra assinalava áreas de ameaças, conflitos, interferências e afetações na ordem natural nas regiões de abundância hídrica apontadas no projeto. Mas além disso, o trabalho também apontava para uma variedade de práticas sociais colaborativas de proteção cultural e ambiental, por eles mapeadas, que vinham buscando superar formas unidirecionais de perceber o ordenamento territorial, recorrentemente ditado por argumentos econômicos, agendas corporativas e prioridades advindas do capital. Para se garantir um mergulho nessas pesquisas e nos aspectos estruturantes da paisagem socioambiental das bacias fluviais trazidas à mostra, um pequeno monitor, que chamava o visitante à interação, separava um mapa do outro, viabilizando acesso a uma plataforma digital que lançava um convite para quem quisesse se aproximar de algumas das histórias e embates registrados nessas regiões. Afinal, por estarem alocadas em áreas globalmente reconhecidas por seus papeis no fornecimento de energia, minerais e nutrientes, as cidades e vilarejos situados junto às áreas de margem desses canais hídricos, tornaram-se áreas de sensibilidade ecológica e geopolítica, “ricas em disputas advindas tanto da violência institucional, como de migrações, deslocamentos forçados e novos assentamentos populacionais” (HOLMES; MEITIN, 2017). Além de nutrir uma área de intensa biodiversidade, os canais que banham a região registram embates socioambientais que tem impactado moradores da orla e de cidades mais próximas. Desse modo, navegando pela plataforma situada entre as duas imagens cartográficas de Living Rivers dispostas sobre a parede junto à entrada da sala expositiva, era possível aceder a um arquivo informacional formado por vídeos, entrevistas, depoimentos, relatos e estatísticas geosituadas que permitiam uma imersão nas principais problemáticas daquelas localidades e nos diferentes modos de reação e resistência a seus principais impasses – material esse produzido e coletado junto aos moradores locais. Via o dispositivo, acessava-se dados sobre o ecossistema daqueles recortes geográficos (alertas e estados de emergências, tais como áreas de extração, queima e desmatamento, etc.), além de projetos colaborativos (artísticos e não artísticos, de diferentes proveniências) responsáveis por compilar saberes, memórias, rituais e expressões culturais que têm atuado como diferentes dimensões constituintes de criação e preservação do território (MEITIN et al., 2020, p. 28). Mobilizado a partir da valorização de perspectivas advindas dos povos locais, esse arquivo tinha como objetivo alargar os horizontes de compreensão sobre a riqueza destes ecossistemas a partir das vozes e impressões de seus próprios habitantes e de compartilhar (dentro e fora do campo da arte) outros modelos possíveis de produção, existência e coexistência capazes de responder a conflitos territoriais. Mais que nada, trazer essas práticas sociais e criativas advindas de atores sociais desatrelados ao circuito das artes a um espaço expositivo tornava-se uma forma de entrecruzá-las com produções artísticas do campo especializado, num gesto de sobreposição e embaralhamento de suas especificidades. “O dispositivo permite que distintas pessoas e organizações somem conteúdos à plataforma construindo assim uma percepção cartográfica coletiva. A proposta entende que existem múltiplas formas de identificação sistemática de informação territorial nos distintos processos de organização das comunidades (micro experiências, projetos em funcionamento, produções sustentáveis, fluxos de ideias, criações artísticas, lutas sociais, práticas soberanas, etc.) que podem ser potenciadas a partir da utilização do mapa e, por sua vez, se expandir por processos de integração territorial. [...] Os dados reunidos permitem observar o caráter situado das perspectivas comunitárias frente às formas tradicionais de representação do Estado, do turismo, da ciência e das empresas – convalidando a aposta do projeto que pretende transformar os imaginários dominantes fazendo visíveis as múltiplas atividades que sustentam a rede da vida e fortalecendo olhares socio/ecológicos frente às concepções unilaterais tecno/políticas” (MEITIN et al., 2020, p. 163) O desenvolvimento da plataforma fora encabeçado pelo Casa Río Lab (organização artística, comunitária e ambiental situada em Punta Lara, na região do estuário Rio da Prata, no litoral argentino) e contou com a participação de diferentes pesquisadores e artistas junto com organizações das áreas das bacias hidrográficas e moradores que vivem na área do delta. Com esta experiência de percepção coletiva, a plataforma buscou mapear, interpretar e discutir os atuais processos de integração territorial que se desenvolvem pela localidade, elaborados por aqueles que conhecem e vivem no local. O projeto de estruturação da plataforma cartográfica interativa teve seguimento e foi aprimorado posteriormente por Holmes e Meitin, em parceria com o projeto Humedales sin Fronteras (organização de preservação e restauração da Bacia do Prata), alcançando novo formato. A plataforma é de acesso público e segue sendo alimentada em formato colaborativo até os dias atuais Alejandro Meitin, fundador do Casa Río Lab, atuava já há algum tempo no mapeamento e na sistematização dessa espécie de arquivo comunitário de saberes locais do Prata. Membro do coletivo Ala Plástica – grupo de artistas formado em 1991 na cidade de La Plata, Meitin vinha experimentando formas de entrecruzamento entre o campo artístico e discussões de política pública ligadas ao urbanismo e ao meio-ambiente. Desde então, impulsionava estudos cartográficos e projetos colaborativos pela região, testando propositivas de conexão transversal entre a arte contemporânea e conhecimentos oriundos das comunidades ribeirinhas situadas sobre as zonas úmidas de pantanais. Com a dissolução do grupo Ala Plástica em 2016, 25 anos após sua formação, criou-se em 2017 o chamado Casa Río Lab, espaço de estudos artísticos e interdisciplinares onde atualmente se dão residências artísticas desdobradas a partir de processos de imersão e de investigação territorial que tem e fazendo uso da pesquisa de campo e do espaço público como base para a experimentação poética e vinculação social. Desde então, a iniciativa reúne a participação da artista Graciela Carnavale, da curadora Alicia Vandamme, do biólogo Marcelo Miranda, do comunicador Dani Lorenzo, do professor e arquiteto Carlos Javier Diaz de la Sota, do programador de informática Ulises Cura Jáuregui, das advogadas Viviana Staiani e Eyra Jáuregui, do crítico e filósofo norte-americano Brian Holmes, além de Alejandro Meitin. Em pouco tempo, o laboratório, começou a ser visto como um centro de estudo de referência sobre o ecossistema de alagados no contexto sul-americano, bem como um espaço de mapeamento dos imaginários sociais circunscritos nessas localidades. O Casa Río Lab tornou-se também um local de encontro e de pesquisa para artistas, críticos e investigadores que começaram a transitar com maior frequência pela região litorânea de La Plata e se firmou como articulador e mediador central de uma rede de iniciativas, coletivos e espaços artísticos autônomos no território argentino, voltados ao cruzamento entre pesquisas poéticas e problemáticas territoriais – convertendo-se em um ponto de intersecção de outras trajetórias. A mostra em Chicago, aberta no mês de abril de 2017, fora a primeira a qual a iniciativa do Casa Río apresentou seus trabalhos em instituições do sistema da arte. Após a realização do projeto curatorial na cidade de Chicago, a mostra migrou para a cidade de Rosário, na Argentina, somando a presença de Graciela Carnavale e do grupo Colectiva Materia. Na cidade de Rosário, foram propostos diálogos entre as práticas exercidas pelo Laboratório Casa Río na região de La Plata e as experimentações históricas do Grupo de Arte de Vanguardia (1966-1968), já que Graciela Carnavale (coordenadora do espaço El Levante, de Rosário, e atual membro da iniciativa Casa Río Lab) fora artista participante do Ciclo de Arte Experimental e do emblemático Tucumán Arde, em 1968. Além de responsável pela documentação histórica do Grupo de Arte de Vanguardia, Carnavale segue atuando junto às margens do Rio Paraná com projetos coletivos interessados na recuperação e na contextualização histórica dessa área territorial. O laboratório Casa Río sempre deixou evidente seu interesse particular em se voltar ao mapeamento de conhecimentos embutidos na experiência local e na valorização da presença da oralidade dos sujeitos envolvidos nesses processos. Por essa postura, hoje a iniciativa reúne um composto bastante farto e sistematizado de diferentes práticas comunitárias (ritos específicos; relatos de histórias orais de resistência; tradições agrícolas; habilidades artesanais; estratégias da pesca e expressões culturais diversas), capazes de construir uma imagem multivalente da região do delta e de seus habitantes. É dessa multiplicidade cognitiva que os trabalhos artísticos que migram para as instituições artísticas, realizados pela iniciativa, é conformado na sua essência. Vale lembrar que ao longo da década de 1990 a região do Prata havia passado a sofrer o impacto das medidas do IIRSA, Projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana, um instrumento político-econômico neoliberal interessado em facilitar o comércio transnacional e o escoamento de produção responsável por mais de 400 projetos situados em contexto sul-americano voltados a grandes obras de infraestrutura de transporte, energia e telecomunicação, bem como à liberação de acesso a recursos naturais e ao gerenciamento de centros de produção locais que passavam cada vez mais a perder suas autonomias e a receber ingerência de fora. Na região litorânea junto ao delta do Rio da Prata, o projeto liderou a construção de complexos rodoviários e ferroviários que atravessaram áreas de estuário e ainda concretizou projetos de barragem que ocasionaram o deslocamento de mais de 50 mil residentes – cujo impacto era predominantemente direcionado ao bioma da costa e às populações rurais da bacia. Essa reorganização política e espacial, porém, deu corpo à criação de uma infraestrutura de indústria, transporte e energia que “afetou o biossistema, diminuiu a independência das comunidades locais, erodiu as fronteiras geopolíticas e as topografias culturais até então resistentes à lógica da globalização”, ao mesmo tempo em que deslocou a tomada de decisão para “uma rede de bancos de desenvolvimento e agências quase-privadas” (KESTER, 2011, p. 140). A transformação dos ecossistemas das zonas úmidas por aterros, queimadas e polderização para dar força ao agronegócio deu margem a um processo conhecido como pampeanização do delta. Em suma, o IIRSA era um consórcio de bancos, governos e agências interessado em atuar como um ente de autoridade supranacional (MEITIN, 2022), que, ao fim e ao cabo, vinha reforçando o processo de desmantelamento do poder do estado como um organismo territorial. Com isso, sua interferência abriu margem para o desdobramento de um novo imaginário que atropelava com velocidade aqueles já sedimentados e afetava de modo drástico a configuração social e ambiental daquele contexto (FABRES, 2023, p. 111). De acordo com Alejandro Meitin, a imposição desses procedimentos, justificados pela promessa de um bem-estar econômico regional, cuja entrega tornava-se o extrativismo (MEITIN et al., 2020, p. 8). Como forma de responder criticamente a essas interferências e reverberações socioambientais que vinham abalando a região, o Casa Río tem desenvolvido uma gama de projetos envolvendo engajamento civil e participativo ligados à compreensão das ecologias humanas, vegetais e animais alocados no entorno do Rio Paraná, trazendo a problematização desses impactos e suas procedências sob diferentes perspectivas. Com a estruturação do seu programa de trabalho, a atuação dos grupos de estudos sobre as áreas costeiras do Vale Central da Bacia Platina ganhou força, aumentando o grau de reconhecimento da diversidade de práticas comunitárias que apresentavam reações simbólicas e criativas aos embates incitados pelo avanço da fronteira agrícola, pelas construções de grandes obras de infraestrutura, pela força da mineração ou mesmo pelo crescimento do setor imobiliário, alocadas pelas zonas ribeirinhas do delta e pelas áreas de humedales. Esse olhar sistematizado sobre aquele contexto geográfico agregou volume e complexidade ao conjunto de registros e dispositivos documentais responsáveis por relatar esses processos de investigação. Nomeado hoje de Arquivo Casa Río Lab, essa espécie de acervo comunitário de práticas de resistência local – primeiramente apresentado na plataforma digital de Living Rivers, na Galeria 400 em Chicago – formado ao longo de anos e anos de pesquisa, reúne atualmente um material vasto sobre as vivências e estratégias coletivas encontradas pelas zonas úmidas do entorno da Bacia Platina, narrado, em grande medida, pela voz dos moradores que ali habitam. Por estruturar um estudo de percepção coletiva sobre o território de abrangência, o arquivo tem servido como um importante material de estudo a profissionais de diferentes disciplinas. Essa expertise acumulada tem sido disponibilizada àqueles que buscam discutir processos de integração territorial na região, a artistas que vêm desenvolvendo processos de trabalho baseados em imersões em contexto, a alunos e docentes da Universidade de La Plata (tanto das Ciências Humanas como Biológicas), também compartilhada com advogados e funcionários públicos do setor legislativo, interessados em revisar esses conhecimentos, a fim de elaborar novas propostas que possam garantir maior proteção à biodiversidade cultural e ambiental, em estado de risco. Frente à coordenação de iniciativas de interesse social e ambiental, Casa Río tem incorporado a participação de profissionais da arte contemporânea no escopo de suas atividades por entender a importância do pensamento transversal e interdisciplinar da arte junto a elaboração de projetos de urbanismo, de gestão de políticas públicas e até junto ao desenho de propostas legislativas voltadas à preservação cultural e socioambiental em suas áreas de atuação. Boa parte desse conteúdo mapeado tem migrando para os arquivos do Casa Río Lab; para os bancos de dados dos mapas e das cartografias interativas mencionadas anteriormente (que se encontram em uma crescente de armazenamento digital de informação, servindo inclusive como plataformas de estudo de acesso público); para seus acervos de vídeos (Arquivo Audiovisual TDC: Territorios de Colaboración Casa Río Lab) que compilam memórias e saberes do delta; bem como para o Arquivo Oral TDC, através da Rádio Mutante, um canal de rádio que tem convocado e juntado uma multiplicidade de conversas e perspectivas de residentes e trabalhadores das áreas costeiras. Com uma série de vídeos e mais de 50 episódios de entrevistas gravadas até então com moradores da região e outros especialistas direta ou indiretamente envolvidos com as ações da iniciativa, o repositório de vídeos e narrativas orais é um dos braços do arquivo Casa Río, o que permite vislumbrar o contexto local segundo o olhar de seus habitantes. Tal contato se oferece pelas imagens de impacto ambiental das áreas de colheita narradas na voz dos pequenos produtores rurais; pelos dilemas das propostas de incentivo ao turismo que tem se direcionado às ilhas do delta; por estudos de comportamento das aves e da sinalização de seus riscos, a partir da observação de ornitólogos especialistas ou autodidatas; pela consideração de engenheiros atentos às novas obras de infraestrutura; pelo relato daqueles que tem sido afetados por essas obras de infraestrutura; pela fala de artistas locais e artesãos capacitados na compreensão sobre os recursos naturais e suas dinâmicas e demandas de mercado; bem como pelas percepções de representantes das assembleias de bairro e moradores das margens do rio que vêm atuando ativamente no debate sobre as propostas de lei voltada à preservação da diversidade natural e cultural dos corredores bioculturais da região do Rio da Prata. Esse agrupamento de gravações e entrevistas (mais do que permitir um aprofundamento circunscrito sobre cada ponto que trazem à discussão) responde ao interesse de se configurar, no todo, um arquivo cultural específico das visões, das rotinas e das experiências daqueles que habitam as áreas de alagados, na formação de um arquivo do imaginário local. Todo esse mapeamento de interesses coorporativos nacionais e internacionais, de estratégias do poder público local e regional, somado aos saberes autóctones coletados por diferentes localidades da região (remanescentes às condutas tecnocráticas que tem abalado àquelas práticas sociais), tem permitido um reconhecimento sistêmico e polifônico da vida cultural das áreas costeiras – não só do Rio da Prata como também das margens fluviais da Bacia Platina, configurando na sua essência um arquivo comunitário local.
imagens ©AlejandroMeitin
Bibliografia
CASARÍOLAB. Casa Río, 2022. Página oficial do Casa Río Lab. Disponível em: <https://www.casariolab.art/> Acesso em: 24 ago. 2022.
FABRES, Paola. A Troca no Tempo Estendido: Modos de Aproximação da Prática Artística em Território. Tese de doutorado em Artes Visuais. Universidade de São Paulo, ECA-USP. P. 352, 2023.
HOLMES, Brian; MEITIN, Alejandro. Living Rivers, 2017. Página oficial do projeto Living Rivers. Disponível em: < http://ecotopia.today/livingrivers/map.html> Acesso em: 24 ago. 2022.KESTER, Grant. Conversations Pieces: Community and communication in modern art. Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 2013.
KROEBER, Gavin. The Earth Will not Abide: Art in America. Disponível em: <https://www.artnews.com/art-in-america/aia-reviews/earth-will-not-abide-62594/> Acesso em 27 de jul. de 2023.
MEITÍN, Alejandro; CARNAVALE, Graciela; HOLMES, Brian; MATERIA, Colectiva. La Tierra no Resistirá. Casa Río Lab: La Plata, 2020.